terça-feira, 11 de junho de 2019

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Atravessar a Própria Solidão.

A cultura contemporânea deixou de preparar-nos para a solidão. Na maior parte das vezes, essa é uma aprendizagem que temos de fazer em cima dos próprios acontecimentos ou na sua dolorosa ressaca, e de forma muito desacompanhada. É como se a solidão fosse uma eventualidade improvável na experiência humana e não, como é, um ponto de passagem obrigatório e comum.
Lembro-me de uma frase de Truman Capote que transcrevi há anos para um caderno: «Todos estamos sozinhos, debaixo dos céus, com aquilo que amamos.» Em momentos diferentes da vida, tenho regressado a ela, e sinto que ainda não me revelou a extensão integral da sua verdade. 
Esquecemos que todos os dias, mesmo numa vida afetivamente integrada e febrilmente ativa, a solidão nos visita. Estamos sós quando estamos conosco próprios e em companhia. Estivemos sós em crianças, na transbordante juventude e nas décadas da vida adulta, e estaremos assim na nossa velhice. A amizade e o amor são formas de partilhar, diminuir, dar serenidade ou potenciar criativamente a solidão, mas o seu assobio ininterrupto continuará a fazer-se ouvir na ronda magnífica dos amigos ou no abraço redondo dos amantes. Ela perfura tudo. Recordá-lo é humanizar o nosso olhar sobre a realidade. 
Também por esse motivo, gostei muito de encontrar as palavras lúcidas da escritora brasileira Nélida Pinon: «A solidão buscada é o lugar onde melhor aprendi a encontrar-me.» 

Fonte: Tolentino Mendonça ...em 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas' 

quarta-feira, 5 de junho de 2019

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Sabemos o que é um Amor?


Será que sabemos o que é um amor? T. S. Eliot trabalhou oito anos como empregado bancário no Lloyds, em Londres. Passava os dias no gabinete subterrâneo que lhe estava atribuído, sentindo o tempo inteiro os passos dos transeuntes sobre a sua cabeça. Duas libras esterlinas e dez xelins eram o seu soldo. Cumpria o horário das 9h15 às 17h00 e, numa das primeiras cartas que dali escreveu à mãe, dizia-se feliz por poder dedicar-se à poesia no tempo restante. Mas, à medida que os anos passavam, era como se lhe faltasse o ar. Apanhava o comboio para a City, vestido de escuro, com o guarda-chuva pendurado no braço, o cabelo impecável, com o risco a meio, enfileirado atrás de uma multidão trajando de maneira igual. 

No livro Terra Devastada deixará este registro: «Cidade irreal / Sob o nevoeiro castanho de uma madrugada de inverno, / Uma multidão fluía sobre a Ponte de Londres, tantos, / Eu não pensava que a morte tivesse destruído tantos.»
O poeta Philip Larkin trabalhou como bibliotecário praticamente toda a vida, pois percebeu que não conseguiria subsistir apenas da escrita, por muito que o desejasse. Depois da jornada laboral permanecia em casa, evitando saídas que o dispersassem. Jantava, lavava a louça e punha-se a escrever. 

Será que sabemos o que é um amor? 

Fonte: Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas'