Estranho sentimento, a inveja.
Estranho
sentimento, a inveja. E, contudo, tão infiltrado nas relações humanas, tão
abrasivo da vida interior, tão capaz de fazer em cacos ambientes (familiares,
de trabalho, de amizade). Muitas vezes a inveja é olhada com impotência, como
se não houvesse nada a fazer, ou até condescendentemente, porque a verdade é
esta: qualquer um de nós, em alguma ocasião, não está livre de incorrer
nela.
Aquele
que inveja reveste o seu objeto de uma admiração que tem pouco a ver com a
realidade. Imagina que aquilo que o outro possui (inteligência, sucesso,
beleza, bens, o que seja) lhe confere uma espécie de onipotência, o coloca a
salvo da fadiga de viver, da sua turbulência e dor. A desproporcionada
felicidade que sonhamos que há nos outros obsidia-nos, e essa admiração
adoecida é experimentada como uma perda pessoal e uma injustiça, numa
modalidade tão avassaladora que suscita uma ânsia irreversível de destruição,
de cancelamento do outro. A inveja é o sentimento disruptivo em relação a outra
pessoa que possui ou desfruta algo desejável - e o impulso do invejoso é
eliminar ou estragar o que pensa ser a fonte dessa alegria. O outro deixa de
ser um parceiro e torna-se um rival. Deixa de ser uma existência autônoma e
diferenciada para andar, na maior parte dos casos sem saber, enredado nos
dramas, ficções e combates fantasmáticos do eu. Deixa de constituir a
possibilidade criativa de um encontro para viver capturado num ressentimento
que invade tudo de mesquinhez e sombra.
Fonte: Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das
Grandes Perguntas'