A Nossa
Maior Crueldade é o Tempo.
A nossa
maior crueldade é o tempo. Como um fabricante de armadilhas desajeitado que
acaba sempre prisioneiro das engrenagens que produz, também nós inventamos o
tempo e nunca temos tempo. Os nossos relógios nunca dormem. Quantas vezes o
tempo é a nossa desculpa para desinvestir da vida, para perpetuar o desencontro
que mantemos com ela? Como não temos diante de nós os séculos, renunciamos à
audácia de viver plenamente o breve instante. A imagem de crono, devorando
aquilo que gera, obsidia-nos. O tempo consome-nos sem nos encaminhar
verdadeiramente para a consumação da promessa. Nesse sentido, o consumo
desenfreado não é outra coisa que uma bolsa de compensações. As coisas que se
adquirem são naquele momento, obviamente, mais do que coisas: são promessas que
nos acenam, são protestos impotentes por uma existência que não nos satisfaz,
são ficções do nosso teatro interno, são uma corrida contra o tempo. A verdade
é que precisamos reconciliar-nos com o tempo. Não nos basta um conceito de
tempo linear, ininterrupto, mecanizado, puramente histórico. O continuum homogéneo
do tempo que a teoria do progresso desenha não conhece a rutura trazida pela
novidade surpreendente. E a redenção é essa novidade. Precisamos identificar
uma dupla significação no instante presente. O presente pode ser uma passagem
horizontal, quantitativa, na perspetiva de uma realização entre este instante e
o que lhe sucede. Mas o presente tem também um sentido vertical que requalifica
o tempo, abrindo-o à eternidade. É o tempo qualitativo, epifânico.
Tolentino Mendonça, in 'A Mística do Instante'.
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