Controlar a
Vida a 360 Graus.
Vivemos
numa sociedade dominada cada vez mais pelo mito do controle. E o seu postulado
dogmático é este: a receita para uma vida realizada é a capacidade de
controlá-la a 360 graus. Não percebemos até que ponto uma mentalidade assim
representa a negação do princípio de realidade. Isto para dizer como somos
pouco ajudados a lidar com a irrupção do inesperado que hoje o sofrimento
representa. Sentimos a dor como uma tempestade estranha que se abate sobre nós,
tirânica e inexplicável. Quando ela chega, só conseguimos sentir-nos capturados
por ela, e os nossos sentidos tornam-se como persianas que, mesmo
inconscientemente, baixamos. A luz já não nos é tão grata, as cores deixam de
levar-nos consigo na sua ligeireza, os odores atormentam-nos, ignoramos o
prazer, evitamos a melodia das coisas. Damos por nós ausentes nessa combustão
silenciosa e fechada onde parece que o interesse sensorial pela vida arde. « A
dor é tão grande, a dor sufoca, já não tem ar. A dor precisa de espaço »,
escreve Marguerite Duras nas páginas autobiográficas do volume a que chamou « A
Dor ». E descobrimo-nos mais sós do que pensávamos no meio desse incêndio íntimo
que cresce. Nas etapas de sofrimento a impotência parece aprisionar
enigmaticamente todas as nossas possibilidades. E colocamos em dúvida que este
limitado corpo que somos seja o lugar para viver a nossa aventura total ou um
fragmento dela que seja significativo. Precisaríamos de recursos que nos
capacitassem a vivenciar a incapacidade, provocada pela dor, com outro ânimo e
outro olhar.
Fonte: Tolentino Mendonça, in 'A Mística do Instante'
Fonte: Tolentino Mendonça, in 'A Mística do Instante'
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