Atravessar a
Própria Solidão.
A cultura
contemporânea deixou de preparar-nos para a solidão. Na maior parte das vezes,
essa é uma aprendizagem que temos de fazer em cima dos próprios acontecimentos
ou na sua dolorosa ressaca, e de forma muito desacompanhada. É como se a
solidão fosse uma eventualidade improvável na experiência humana e não, como é,
um ponto de passagem obrigatório e comum.
Lembro-me de uma
frase de Truman Capote que transcrevi há anos para um caderno: «Todos estamos
sozinhos, debaixo dos céus, com aquilo que amamos.» Em momentos diferentes da
vida, tenho regressado a ela, e sinto que ainda não me revelou a extensão
integral da sua verdade.
Esquecemos que todos
os dias, mesmo numa vida afetivamente integrada e febrilmente ativa, a solidão
nos visita. Estamos sós quando estamos conosco próprios e em companhia.
Estivemos sós em crianças, na transbordante juventude e nas décadas da vida
adulta, e estaremos assim na nossa velhice. A amizade e o amor são formas de
partilhar, diminuir, dar serenidade ou potenciar criativamente a solidão, mas o
seu assobio ininterrupto continuará a fazer-se ouvir na ronda magnífica dos
amigos ou no abraço redondo dos amantes. Ela perfura tudo. Recordá-lo é
humanizar o nosso olhar sobre a realidade.
Também por esse
motivo, gostei muito de encontrar as palavras lúcidas da escritora brasileira
Nélida Pinon: «A solidão buscada é o lugar onde melhor aprendi a
encontrar-me.»
Fonte: Tolentino Mendonça ...em 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas'
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