terça-feira, 20 de agosto de 2019

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O Custo do Nosso Amor

Retorno muitas vezes, mesmo em pensamento, a uma cena do fílme-testamento de Andrei Tarkovsky, O Sacrifício (Offret, 1986). No dia do aniversário de Alexander, o protagonista da história, o presente mais inesperado (e também mais precioso) é o que lhe é oferecido pelo carteiro: um mapa do século XVII. Surpreendido por aquele gesto, Alexander agradece muito, mas faz questão de devolver o dom ao ofertante, com a objeção de que se trata de uma coisa rara, sem dúvida demasiado custosa. Ele aceitaria quando muito uma lembrança simples. Um presente daquela natureza não poderia receber. Mas o carteiro responde: «Todo o presente é um sacrifício. Caso contrário, como é que poderia ser um dom?» .

A nossa cultura acha que qualquer discurso sobre o sacrifício é repressivo e impopular, e remete-os para debaixo do tapete. O que não admira. Uma cultura que se autorrepresenta como um interminável parque de diversões aposta tudo na infantilização dos sujeitos (ou dos «públicos», como agora se diz). E claro que, no polo oposto, uma mentalidade sacrificial, onde o sacrifício passa a ser a finalidade dele mesmo, se torna também neurótica e estéril. As religiões sabem bem disso, porque têm sido campo favorável para o grassar de visões parciais desse tipo. Talvez precisemos de reinventar novos pontos de equilíbrio e, com isso, de redescobrir que por detrás de tudo o que é grande, belo e verdadeiro está necessariamente o sacrifício, como disponibilidade para assumir o custo do nosso amor. 


Fonte: Tolentino Mendonça, em  ' O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas '. 

terça-feira, 13 de agosto de 2019

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O Aqui e o Agora.

Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. 

Precisamente porque temos de nos desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno. Mesmo tendo perdido o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, a lentidão continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo.

Fonte: Tolentino Mendonça, em  ' O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas '. 

quinta-feira, 25 de julho de 2019

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A Longevidade e o sentido da vida.

A Logoterapia de Viktor E. Frankl no seu livro – Em busca do sentido – relata em um só fôlego o relato de suas experiências no campo de concentração. Os seus textos profundos sobre a busca do sentido da vida, do propósito e sofrimento, recrudesceram para  eu encontrar o sentido da vida.  Se este homem que após sair do campo de concentração com 40 anos de idade e viver outros 52 anos – portanto, falecer com 92 anos de idade - e nos deixar um legado rico e singular para o ser humano, este modelo inspirou em criar um projeto de vida que contemplava a Longevidade.

Fui contemplado pelo dom divino de ser curioso e agir, estar antenado, em desejar aprender, captar os ensinamentos e aprofundar dois focos que se complementam: a riqueza da vida espiritual  e a Análise existencial. Com certeza, com o tempo os meus limites físicos começaram a aparecer, sintomas diversos e a necessidade de se autopreservar. Quantos esclarecimentos da medicina para aliviar sintomas e ou evitar enfermidades. Fisicamente sente-se, mas o lado espiritual – neste caso, sem o sentido religioso - jamais envelhece. Jamais. Aprender, reapreender, e aprender novamente é um tripé para envelhecer com o vigor e frescor da juventude. Mudar, e aceitar as mudanças. Empreender é outro modelo que nós necessitamos aceitar e desenvolver porque os tempos de CLT acabaram.

No entardecer e crepúsculo da vida encontrei um novo sentido de vida e oportunidade para criar ricos momentos de um futuro melhor que está por vir. A vida oferece oportunidades interiores maravilhosas para reencontrar-se. E neste sentido com 60 anos me formei em Logoterapia e com os meus 70 anos imagino todos os dias colocar a mochila nas costas para aprender o que a escola da vida tem para ensinar. E agir.

Frente a tantos suicídios, desânimo, sofrimentos, vidas que somente existem, vazio existencial, é o meu dever colaborar para expor conceitos da Logoterapia e vivenciar – entre outros - dois pensamentos de Viktor Frankl:

“ O homem sempre procura um sentido para a sua vida ”. 

“ Quando procuramos e descobrimos o verdadeiro sentido de nossa existência e de nossas experiências, entendemos que a vida não apenas passa por nós. Nós passamos pela vida e nós lhe damos significado ”.

A Longevidade encerra por si só fazer a Jornada íntima, o processo de viver, encontrar as nossas essências, vivenciar o reino dos valores e conquistar a Sabedoria.  Nós – os “Perennials ” temos muito para colaborar e ou transmitir, aprender e receber.

Concluindo:

“ É um momento de voltar-me para meu interior, de olhar para mim mesmo. É hora de tirar o melhor proveito do tempo que ainda me resta.

As grades de uma prisão imaginária não são de aço ”.  Rodney Crowell

de: Aureliano

 

terça-feira, 11 de junho de 2019

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Atravessar a Própria Solidão.

A cultura contemporânea deixou de preparar-nos para a solidão. Na maior parte das vezes, essa é uma aprendizagem que temos de fazer em cima dos próprios acontecimentos ou na sua dolorosa ressaca, e de forma muito desacompanhada. É como se a solidão fosse uma eventualidade improvável na experiência humana e não, como é, um ponto de passagem obrigatório e comum.
Lembro-me de uma frase de Truman Capote que transcrevi há anos para um caderno: «Todos estamos sozinhos, debaixo dos céus, com aquilo que amamos.» Em momentos diferentes da vida, tenho regressado a ela, e sinto que ainda não me revelou a extensão integral da sua verdade. 
Esquecemos que todos os dias, mesmo numa vida afetivamente integrada e febrilmente ativa, a solidão nos visita. Estamos sós quando estamos conosco próprios e em companhia. Estivemos sós em crianças, na transbordante juventude e nas décadas da vida adulta, e estaremos assim na nossa velhice. A amizade e o amor são formas de partilhar, diminuir, dar serenidade ou potenciar criativamente a solidão, mas o seu assobio ininterrupto continuará a fazer-se ouvir na ronda magnífica dos amigos ou no abraço redondo dos amantes. Ela perfura tudo. Recordá-lo é humanizar o nosso olhar sobre a realidade. 
Também por esse motivo, gostei muito de encontrar as palavras lúcidas da escritora brasileira Nélida Pinon: «A solidão buscada é o lugar onde melhor aprendi a encontrar-me.» 

Fonte: Tolentino Mendonça ...em 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas' 

quarta-feira, 5 de junho de 2019

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Sabemos o que é um Amor?


Será que sabemos o que é um amor? T. S. Eliot trabalhou oito anos como empregado bancário no Lloyds, em Londres. Passava os dias no gabinete subterrâneo que lhe estava atribuído, sentindo o tempo inteiro os passos dos transeuntes sobre a sua cabeça. Duas libras esterlinas e dez xelins eram o seu soldo. Cumpria o horário das 9h15 às 17h00 e, numa das primeiras cartas que dali escreveu à mãe, dizia-se feliz por poder dedicar-se à poesia no tempo restante. Mas, à medida que os anos passavam, era como se lhe faltasse o ar. Apanhava o comboio para a City, vestido de escuro, com o guarda-chuva pendurado no braço, o cabelo impecável, com o risco a meio, enfileirado atrás de uma multidão trajando de maneira igual. 

No livro Terra Devastada deixará este registro: «Cidade irreal / Sob o nevoeiro castanho de uma madrugada de inverno, / Uma multidão fluía sobre a Ponte de Londres, tantos, / Eu não pensava que a morte tivesse destruído tantos.»
O poeta Philip Larkin trabalhou como bibliotecário praticamente toda a vida, pois percebeu que não conseguiria subsistir apenas da escrita, por muito que o desejasse. Depois da jornada laboral permanecia em casa, evitando saídas que o dispersassem. Jantava, lavava a louça e punha-se a escrever. 

Será que sabemos o que é um amor? 

Fonte: Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas' 

quinta-feira, 30 de maio de 2019

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Estranho sentimento, a inveja.


Estranho sentimento, a inveja. E, contudo, tão infiltrado nas relações humanas, tão abrasivo da vida interior, tão capaz de fazer em cacos ambientes (familiares, de trabalho, de amizade). Muitas vezes a inveja é olhada com impotência, como se não houvesse nada a fazer, ou até condescendentemente, porque a verdade é esta: qualquer um de nós, em alguma ocasião, não está livre de incorrer nela. 
Aquele que inveja reveste o seu objeto de uma admiração que tem pouco a ver com a realidade. Imagina que aquilo que o outro possui (inteligência, sucesso, beleza, bens, o que seja) lhe confere uma espécie de onipotência, o coloca a salvo da fadiga de viver, da sua turbulência e dor. A desproporcionada felicidade que sonhamos que há nos outros obsidia-nos, e essa admiração adoecida é experimentada como uma perda pessoal e uma injustiça, numa modalidade tão avassaladora que suscita uma ânsia irreversível de destruição, de cancelamento do outro. A inveja é o sentimento disruptivo em relação a outra pessoa que possui ou desfruta algo desejável - e o impulso do invejoso é eliminar ou estragar o que pensa ser a fonte dessa alegria. O outro deixa de ser um parceiro e torna-se um rival. Deixa de ser uma existência autônoma e diferenciada para andar, na maior parte dos casos sem saber, enredado nos dramas, ficções e combates fantasmáticos do eu. Deixa de constituir a possibilidade criativa de um encontro para viver capturado num ressentimento que invade tudo de mesquinhez e sombra.

Fonte: Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas' 

quinta-feira, 23 de maio de 2019

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Não Será Tempo de Voltarmos aos Sentidos?


Não somos apenas o nosso corpo, estamos também integrados num corpo social, que solicita, expande e reprime a nossa sensibilidade. Basta ouvir aquele que foi o maior teórico da comunicação do século XX, Marshall McLuhan, para perceber até que ponto isso é aproveitado pela sociedade de comunicação global, para quem o indivíduo passa a ser uma presa. O que diz McLuhan sobre a televisão, por exemplo, é imensamente elucidativo: «Um dos efeitos da televisão é retirar a identidade pessoal. Só por ver televisão, as pessoas tornam-se num grupo coletivo de iguais. Perdem o interesse pela singularidade pessoal.» Se repararmos, os meios que lideram a comunicação humana contemporânea (da televisão ao telefone, do e-mail às redes sociais) interagem apenas com aqueles dos nossos sentidos que captam sinais à distância: fundamentalmente a visão e a audição. Origina-se assim uma descontrolada hipertrofia dos olhos e ouvidos, sobre os quais passa a recair toda a responsabilidade pela participação no real. «Viste aquilo?», «já ouviste a última do...»: os nossos quotidianos são continuamente bombardeados pela pressão do ver e do ouvir. O mesmo se passa com a locomoção: seja a pilotar um avião, a conduzir um automóvel, ou seja o peão a deslocar-se nas artérias das cidades modernas, o fundamental são os sentidos que colhem a informação visual e sonora. Nem será necessário lembrar que não é assim em todas as culturas. Esta sobrecarga sobre os sentidos que captam o que está mais afastado de nós esconde o subdesenvolvimento e a pobreza em que os outros são deixados. Ao mesmo tempo que floresce a indústria dos perfumes, desaprendemos a distinguir o aroma das flores. Por mais que isso seja dez mil vezes mais prático, passar pela frutaria do inodoro hipermercado não é a mesma coisa que atravessar a catedral de aromas de um pomar. E de modo semelhante com os outros sentidos que implicam proximidade: o paladar e o tato. Hoje, só os profissionais arriscam provas cegas das comidas ou bebidas. Mas, mesmo aí, são cada vez mais os olhos que comem, pelo investimento no impacto decorativo dos pratos, pelo requinte do design ou pela manipulação do próprio sabor. Para não falar do tato. A nossa distância da natureza é tão grande que deixamos de saber coisas tão elementares como caminhar descalço, dobrar-se na clareira e afastar mansamente as folhas da fonte para beber devagarinho, ou acariciar a vida desprotegida que se avizinha de nós. Assim nos tornamos os «analfabetos emocionais» que somos, resumia o cineasta Ingmar Bergman. Não será tempo de voltarmos aos sentidos? Não será esta uma oportunidade propícia para os revitalizarmos? Não é chegado o instante de compreender melhor aquilo que une sentidos e sentido?

Fonte: Tolentino Mendonça, in 'A Mística do Instante'