O Custo do
Nosso Amor
Retorno muitas vezes, mesmo
em pensamento, a uma cena do fílme-testamento de Andrei Tarkovsky, O
Sacrifício (Offret, 1986). No dia do aniversário de Alexander, o
protagonista da história, o presente mais inesperado (e também mais precioso) é
o que lhe é oferecido pelo carteiro: um mapa do século XVII. Surpreendido por
aquele gesto, Alexander agradece muito, mas faz questão de devolver o dom ao
ofertante, com a objeção de que se trata de uma coisa rara, sem dúvida
demasiado custosa. Ele aceitaria quando muito uma lembrança simples. Um
presente daquela natureza não poderia receber. Mas o carteiro responde: «Todo o
presente é um sacrifício. Caso contrário, como é que poderia ser um dom?» .
A nossa cultura acha que qualquer discurso sobre o sacrifício é repressivo e impopular, e remete-os para debaixo do tapete. O que não admira. Uma cultura que se autorrepresenta como um interminável parque de diversões aposta tudo na infantilização dos sujeitos (ou dos «públicos», como agora se diz). E claro que, no polo oposto, uma mentalidade sacrificial, onde o sacrifício passa a ser a finalidade dele mesmo, se torna também neurótica e estéril. As religiões sabem bem disso, porque têm sido campo favorável para o grassar de visões parciais desse tipo. Talvez precisemos de reinventar novos pontos de equilíbrio e, com isso, de redescobrir que por detrás de tudo o que é grande, belo e verdadeiro está necessariamente o sacrifício, como disponibilidade para assumir o custo do nosso amor.
Fonte: Tolentino Mendonça, em ' O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas '.